quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Pequi: desabafo do Pedrinho


Eu odeio pequi!
Essa carta escrevo para vocês, queridas mamãe e vovó.
E repito para ficar claro: Eu odeio pequi!
Talvez vocês não tenham percebido, mas eu só fujo de casa quando estão cozinhando pequi. Talvez não tenham entendido o motivo das minhas ânsias de vômito quando vocês colocaram pequi no meu prato sem o meu consentimento. Talvez eu não tenha deixado claro a minha intenção quando desfreei o caminhão do tio Juca, carregado de pequi, enviando toda a carga para o fundo da lagoa.
De qualquer jeito, deixo aqui meu manifesto, para uma leitura cuidadosa por parte de vocês. Espero que entendam o conteúdo da mensagem.
Não sou uma má pessoa. Não sei de onde vem essa minha aversão ao pequi.
Não tenho nada contra quem gosta (ou talvez tenha).
Não detesto os moradores da cidade de Pequi.
Simplesmente acredito que comer pequi seria uma traição aos meus instintos.
De que valeria minha visão, se eu não respeitasse o que ela me mostra, me advertendo que não devo comer aquela coisinha babosa e amarela (nada contra as pessoas amarelas, na verdade até me amarro nos Simpsons). 
Meu olfato apita veementemente que algo com cheiro tão repulsivo não pode ser degustado. Lembro-me do aprendizado: “cocô: fuuummmm” (minha mãe onomatopéica fazendo careta e tapando o nariz com os dedos), ou seja, não comer! “Que cheiro gostoso de bolo”, ou seja, pode comer! O que posso fazer? A ideia básica já está impregnada no meu subconsciente. Tem cheiro ruim? Então não como.
E o que dizer do tato? Dizem que tem espinhos dentro! Espinho!!! Espinhos e agulhas habitam os pesadelos das crianças! E se morder o espinho ainda vou ter que ir no médico e talvez tenha que tomar uma vacina de tétano ou sei lá o que mais. Ou seja, não me arrisco.
Tantos sentidos me alertando que aquilo não é uma boa ideia, e eu ainda vou experimentar? Mas de jeito nenhum. “Você nunca provou?” Alguns irão perguntar. Não e nem irei! “Mas então você nem sabe se iria gostar se experimentasse.” Outros irão argumentar. Oras, se o cheiro é daquele jeito, já posso imaginar o gosto. E se não gosto do cheiro, vou ficar comendo sem sentir o cheiro? Se encher a boca de pequi e tampar o nariz eu morro sufocado, caramba!.
A natureza, do alto de toda a sua sabedoria, dotou o fruto do pequizeiro com um sofisticado sistema de defesa = feio, fedido e cheio de espinhos.
O cara tem que tá muito desesperado, perdido no meio do cerrado há uns 15 dias, já tendo alucinação, vendo miragem, chamando urubu de meu louro, pra ter a brilhante ideia de catar uma porcaria duma frutinha fedorenta e tentar comer a maldita. E olha que o primeiro Zé-Ruela que tentou ainda deve ter dado a maior dentada naquele ouriço do mar que deixou o céu da boca igual um porco espinho dos infernos. E aí o sem-mãe resolveu sacanear um amigo e mandou ele morder também e aí a sacanagem vai rolando até alguém resolver roer aquela desgrama – roer! O fim da picada! Isso por acaso é comida chique, que tem que ter frescura pra comer?
Se um garçom chique, de restaurante francês renomado, te manda comer lagosta com garfo, você ainda aceita. Mas aí me vem um rapaz arrastando um saco, falando que catou umas frutinhas no mato, num lugar que fica pra lá de onde Judas resolveu procurar a bota no achados e perdidos, fica 2 horas cozinhando aquele trem que mais parece uma sopa de gambá, e volta com um tabuleiro cheio de umas bolinhas amarelas gosmentas, com cheiro de coisa estragada, que mais parece a manga que o cão chupou, e me fala que eu tenho que roer aquele troço? Não roo, não chupo, não mordo, não provo, vou é dar uma bicuda no tabuleiro e mandar ir plantar coquinho!
Até escargot, caviar, comida chique e refinada, não tem frescura. Você pega e come! Não me vem com essa que você tem que roer. Vai roer seu dedão do pé, seu besta!  
"Só pode comer com a mão e tem que roer". E é uma cena linda a família toda reunida comendo aquele treco fedido, todo mundo com a mão e com a cara amarela, com bafo de pequi.
E quer saber? Me coloca preso numa caverna com um saco de pequi que eu sou bem capaz de comer morcego, musgo, estalactite, metade da minha perna, antes de sequer cogitar a possibilidade de comer aquela porcaria.
E é por isso que eu fugi de casa de novo e estou aqui escondido na casa da árvore. O único problema é que a minha janela fica em frente à chaminé da cozinha, e a cozinheira da vovó está fazendo pequi de novo...

Autoria: O chinelo da minhoca
Autoria do desenho: www.pequivenenoso.com 

6 comentários:

  1. Fomos obrigados a editar o texto, retirando alguns palavrões proferidos pelo Pedrinho. Se você chegou a ler a versão "uncut" e ficou ofendido ou envergonhado ou se sentiu vítima de alguma forma de "bullying", fique tranquilo, pois o menino já foi advertido fisicamente e jurou que não vai mais escrever besteira.

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  2. Fomos obrigados a ir na delegacia prestar esclarecimentos por ter advertido fisicamente uma criança. Mas fiquem tranquilos, pois já nos matriculamos num Workshop para que possamos aprender a colocar limites no Pedrinho sem precisar apelar para os castigos corporais.

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  3. Ótimo! Pequi não é comida e ponto.

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  4. Muito bom. Concordo com todo o texto.

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